quarta-feira, 16 de novembro de 2016

TEXTO 213/2016/QUANDO A CIDADE GRANDE DESTRÓI SONHOS /PRIMEIRO LUGAR/CRÔNICA

                         



         QUANDO A CIDADE GRANDE DESTRÓI SONHOS 


               Pelotas é uma cidade de médio porte. À exemplo de Santa Maria situada no coração do estrado, é uma cidade universitária. Localizada na região sul do Rio Grande do Sul, possui várias universidades. Antigamente, Pelotas era uma cidade industrial e absorvia muita mão de obra sazonal nas indústrias de conservas. As indústrias faliram após planos econômicos e a cidade se transformou em um polo mais comercial e, sobretudo, educacional.
               Contamos com a Universidade Federal de Pelotas que possui mais de cinco mil alunos em seus inúmeros cursos de graduação, pós-graduação, mestrado e doutorado. Há a Universidade Católica de Pelotas, com cinquenta anos de atuação regional e com cursos de mestrado e doutorado com conceito elevado, o Instituto Federal Sul- Rio-Grandense com cursos tecnológicos, de pós-graduação e mestrado considerado uma das maiores instituições do Brasil. Saliento ainda a Faculdade SENAC, a Anhanguera e outras instituições de ensino à distância de âmbito nacional e com polo em Pelotas.
           A cada ano que se inicia muitos jovens do Brasil inteiro vem estudar em Pelotas após o resultado do ENEM, do PAVE e dos vestibulares. Afora isso há os que permanecem em suas cidades e vem diariamente estudar, cujos ônibus saem de suas respectivas cidades nos três turnos e retornam após o término do mesmo. Eles são de Pedro Osório, Arroio Grande, Jaguarão, São Lourenço, Rio Grande.
        Em função da situação econômica de cada família, a Universidade Federal de Pelotas é a que absorve a maior quantidade de alunos, por ser altamente conceituada, por oferecer cursos nas mais diversas áreas e por oferecer benefícios como moradia, alimentação, bolsas, etc. Os jovens vem de todos os estados do Brasil e do exterior, inclusive África, em função de convênios diversos.
        Jovens de bolsos e mala minguados e coração cheio de sonhos chegam em início de período letivo. Este ano, entre os milhares chegou um da Bahia para estudar Direito. Cheio de sonhos, inteligente, e ainda esperando uma vaga para a medicina, segundo reportagens de jornal. O alojamento oferecido é central. Um edifício antigo e com precariedades e que fica lotado. Em virtude disso mais de meia centena de jovens foram locados em uma casa em um bairro, por conta da universidade.
        Sabemos o quanto a violência proliferou no nosso país, em decorrência de várias situações como pobreza, tráfico de drogas, e as cidades de porte médio, metrópoles estudantis não ficaram livres desta saga.
       Certa noite ao chegarem próximo ao alojamento um grupo de estudantes sofreu um assalto. Ao contrário do que é, geralmente, orientado, eles reagiram em virtude de serem vários. Da contenda que se estabeleceu saíram dois estudantes feridos, um com pouca gravidade e o estudante baiano, atingido por uma pedra na cabeça, com afundamento no crânio. Não seria ele capaz de imaginar a tragédia que se abateria sobre sua vida.
Ficou em coma muito tempo. Só, sem família, lutando contra a morte. Uma pessoa minha conhecida começou a visita-lo regularmente no hospital. Não podia se alimentar senão por sonda e não reagiu mais aos movimentos. Passou a usar fraldas, alimentação específica o que demanda muito dinheiro. Meu amigo fez campanhas, chamamento à comunidade via facebook e imprensa. Alguns meses depois sua mãe e uma tia vieram para acompanha-lo, mas o jovem não mais voltou ao seu estado de saúde normal nem satisfatório para poder voltar à universidade.
Mais alguns meses decorreram com estes familiares aqui até que foi obtida autorização e um avião para transportá-lo à sua pequena cidade no interior baiano.
Essa crônica é um lamento pelos sonhos destruídos, pela violência estúpida que destrói vidas, pela nossa impotência em melhorar a situação, pelo desperdício de dinheiro que ocorre em vários escalões governamentais e que deixa quem mais necessita desamparado, por aquela família que se deparou com uma tragédia quando sonhava com um modo de sair da pobreza e ver seu filho atingir a liberdade pela forma mais válida que é a educação, galgando degraus de cidadania para si e seus familiares.
         Não mencionei seu nome que já foi várias vezes citado na imprensa, para preservá-lo e alertar a todos porque ele poderia não ser o estudante vindo de outro estado, mas o filho de qualquer um de nós e porque esse acontecimento nos sensibilizou muito.
           Sabe-se lá se ele ainda tem sonhos, e isso equivale a morrer em vida.

                                                        Isabel C S Vargas
                                                       Pelotas/RS/Brasil
                                                       13.11.2016












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