SEBO LITERÁRIO
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Isabel Cristina Silva Vargas
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CONTOS
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Destino
Restaurante, personagem irreal, rua, chuva, relâmpagos, tormenta, medo, táxi, hotel. Descanso... Beatriz adormeceu. Sonhos, lugares conhecidos, verões agradáveis na companhia de amigos. Formaturas, conquistas. Viagem à Paris ao lado de Antenor. Alegrias. Tudo se misturava com brigas diárias, rotina, desejo de fugir. Não sabia onde se encontrava. Uma estrada estreita, de barro vermelho surge à sua frente. Encontra-se na zona rural. Ouve o barulho de água a correr entre as pedras. Mata verde. Ar puro. Respira profundamente. Pássaros cantam. Lugar calmo e convidativo. Salta entre as pedras. Atravessa o arroio. Arrisca-se. Embrenha-se na mata. Caminha até a exaustão. Surgem caminhos à sua frente. Olha para trás. Não dá para retornar. Tem que seguir em frente. Que caminho tomar? Fica em dúvida, como em toda sua vida. Sente medo. Este sentimento também é conhecido. - Droga! Tudo igual. Realidade e Sonho. Corre, tropeça. Cai. ACORDA! Respiração ofegante, suor, novamente o medo. Abandono. Levanta-se. Vai à janela. A chuva cessou. O sol retorna tímido. Sua esperança também
Isabel Vargas
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Destinos
Kika sempre foi uma pessoa curiosa. Quem a vê não imagina a sua maneira de pensar, nem suas convicções das quais não se afasta por nada. A aparência é avançada. Fora dos padrões normais. Nos conceitos de família, vida pessoal é mais regrada. Apesar de não ter religião respeita a crença dos pais e não deseja criar maiores conflitos além das desavenças habituais pela sua aparência física, para eles muito ousada. Decidiu, então, morar sozinha. Sua situação financeira é estável. A banda já lhe rendeu algum dinheiro que guardou para realizar o sonho de comprar um apartamento. Assim poderá receber os amigos sem problemas. Seu pai não os tolera. Não pela aparência um tanto exótica, mas pelo fato de , eventualmente, utilizarem maconha. Fazem isto em qualquer lugar. Kika é contrária a este hábito. Não faz uso disto. Nunca. Não conseguiu dissuadi-los de utilizarem. Foi uma terça-feira que foi ao encontro do corretor com quem tratou por telefone ao ligar para uma imobiliária para se informar de um imóvel que vira em anúncio no jornal. Edmilson era seu nome. Combinaram encontrar-se na imobiliária e de lá seguirem juntos para ver o apartamento. Lá chegando foi direto na recepcionista a quem informou que desejava encontrar o corretor Edmilson. Ele, que vinha entrando na recepção, mal olhou no rosto de Kika. A aparência "gótica" da moça não o levou a imaginar que aquela era a cliente. A voz suave não condizia com a aparência. A recepcionista informou que a moça desejava falar-lhe. Edmilson, sem olhar para ela informou que não poderia atender ninguém, pois estava ocupado. Sem dar atenção à cliente entrou na sua sala. Kika já estava acostumada a ser alvo de discriminação em virtude da aparência nada convencional. Pediu licença e foi entrando escritório adentro sem bater. Soltou de um fôlego só uma enxurrada de palavras. - Olha aqui, seu tratante. Não me desloquei de ônibus, sem café para cumprir o compromisso agendado e chegar aqui na hora marcada, para encontrar um corretor irresponsável, bobalhão que nem na minha cara olhou e que por certo deve achar que não tenho condição de comprar nenhum apartamento. Agora quem não quer sou eu. Vou procurar outro corretor. Deve haver profissional mais educado e competente. Virou-se e saiu com o mesmo ímpeto que entrou na sala, sem dar tempo para que ele esboçasse qualquer reação. ... Passaram-se dois dias. Edmilson achou que deveria ligar para Kika e desfazer o mal entendido. Não tivera a intenção de agir de forma preconceituosa. Afinal, ele próprio não era nenhum "Gianechinni da Globo" e sabia que era não se enquadrar no estereótipo de beleza. O mercado de trabalho se abre para jovens, belos, altos, sarados, bem falantes e que vendem uma bela imagem. Aos demais resta um corpo a corpo diário para comprovar competência, embora esta nada tenha a ver com aparência física. Mesmo sem intenção pisou na bola, como se diz na linguagem de futebol. A moça não parecia muito convencida, mas aceitou as desculpas e marcaram uma nova data para examinarem o apartamento. Desta vez se encontrariam na porta do edifício. Ele já estaria à sua espera. Assim foi feito. Fazia questão de olhá-la bem nos olhos ao lhe falar assim tentaria desfazer a primeira impressão. Saudou-a com um sorriso estampado no rosto. Ainda desconfiada, Kika respondeu ao cumprimento com um meio sorriso. Subiram. Ele falava o tempo todo sobre as vantagens da localização do apartamento, do tipo de construção, suas características, o tipo de morador dali, as conveniências do entorno. Até parecia bem simpático, alegre, olho brilhante. Isto chamou sua atenção. Gostou daquele brilho no olhar. Prendia a atenção das pessoas. Era como um ímã. Não conseguimos nos desgrudar. É típico de quem tem luz interior e de quem faz o que gosta. O brilho se expande pelo rosto e nos atinge. Atrai. As mãos, que não paravam de gesticular mostrando a grande janela com uma linda vista para um pequeno parque, eram bem cuidadas, de unhas bem limpas e, apesar dele ter uns quilinhos a mais, eram longas e bonitas. Deviam ser macias também. Quando percebeu, ao invés de olhar cada cômodo, olhava para cada parte do rapaz que lhe chamava a atenção: os olhos e as mãos. Ela a tratava com gentileza e atenção, bem diferente da outra vez. Estava gostando. Tanto que ao saírem do apartamento , quando ele perguntou se poderiam se encontrar novamente para conversarem melhor ela logo assentiu. Desta vez com simpatia, um aperto de mão, que ele retribuiu com um longo sorriso, um olhar mais brilhante ainda e um longo e suave beijo no rosto. Ela gostou. Fechou os olhos. Será que estava apaixonada ? Não podia acreditar.
Isabel Vargas
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Dúvida
Linda conhecera Olavo aos treze anos. Ele tinha vinte e um. Homem alto, forte, origem européia. Pessoa de gênio forte, disciplinado, exigente. Ela era a mais velha de quatro irmãs, talvez por isso aparentasse mais idade, pela responsabilidade de ajudar a mãe a cuidar das menores. Naquela época, o namoro era um compromisso sério e tinha que ter o aval dos pais. Existiam regras rígidas para namorar. Só em finais de semana, hora marcada, família na volta. Deixar a menina sozinha com o pretendente era fora de cogitação. Como ele já tinha emprego, era mais velho, demonstrava responsabilidade, não demorou muito para casarem. Cumpriram os rituais de praxe, isto é, pedido de casamento, noivado. Ela com 16 anos. Ao homem cabia sempre a última palavra, além, é claro, de ditar todas as normas da casa, como se fosse o comandante de um quartel. A despeito da rigidez dele, da falta de demonstração pública de afeto, procurava proporcionar conforto e diversão para a família. Na realidade, para ser imparcial, ela, a esposa demonstrava temor frente a ele e por isso zelava para o fiel cumprimento dos desejos dele. Tinha medo dele se aborrecer. Quando isso acontecia ele se tornava grosseiro na frente de qualquer pessoa. Sequer pensava em questionar as ordens. Tornou-se um fiel capataz do lar, ou ajudante de ordens, se um quartel fosse. Hora de levantar, de almoçar, estudar, tomar banho, deitar eram cumpridas à risca para aborrecimento dos filhos. Barulho em hora de ele dormir a sesta era sacrilégio. Isso se ela fosse católica. Como não era, tornou-se regra a ser cumprida sem questionamento. Regras que serviam para reafirmar a autoridade de alguém que tinha um papel árduo para desempenhar, considerando a educação que recebera dos pais, vindos de uma região da Europa, castigados pelas agruras passadas. O amor não aparecia. Ficava sufocado pela autoridade. Por muito tempo a vida familiar seguiu assim. Ela zelando pelo cumprimento do ordenamento ditado por ele, referentes a casa, os filhos, ao cachorro e aos desejos dele próprio. E do que ela denominava deveres conjugais. Como ela fora alfabetizada pela mãe, não estudara em escola regular, trabalhar fora não era cogitado por nenhum dos dois, mas em um período de maiores dificuldades ela começou a trabalhar em casa, cortando cabelo de mulheres. Ainda economizava cortando o cabelo do marido e dos filhos. Aprendera o ofício com uma amiga que morava próximo. A vida seguia em um ritmo cadenciado, sem imprevistos, desvios ou contra-ordens até que ele de dispôs, gentilmente, abnegadamente a ensinar a prima de Linda a dirigir. Uma jovem bonita, solteira, alegre, bem educada, professora e que queria dirigir para ter seu próprio carro. No início ela até saía junto. Mas com o tempo as aulas passaram a ser mais freqüentes. E ela não podia deixar as clientes, a lida da casa, o cuidado com os meninos que já estavam ficando mocinhos. Então, os dois, Olavo e a prima Vanda passaram a sair sozinhos para as aulas. Intermináveis aulas. Até que o vulcão que vivia apagado, ou contido pelas regras emanadas do ditador e que ela com o tempo, sem se dar conta, assumira como suas também, em nome da convivência aparentemente harmoniosa, explodiu. E, de uma forma tão intensa que não houve palavra dele que a convencesse de sua inocência e, sobretudo, da inocência da prima a quem considerava uma irmã. Aí foi a vez de ele calar-se. As ordens partiam dela. A prima, ela nunca mais visitou, nem permitiu a entrada dela na sua casa. Comunicou às irmãs que teriam que escolher: ou ela, ou a prima. Não haveria lugar para as duas na convivência familiar. Linda e Vanda jamais se falaram. Em casa, o assunto morreu ali.
Isabel Vargas |
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Elos
Juvenal tem muitas lembranças da infância. Família grande, pai, mãe e quatro irmãos. A mãe não trabalhava fora. Era analfabeta, cuidava dos filhos e em épocas que a situação apertava ela trabalhava fazendo faxinas em casa de família. De trabalho regular, só o pai que era vigia de uma grande empresa. Trabalhava 12 horas, usava um bastão, revólver e um relógio que ele utilizava para marcar as voltas que dava em todo quarteirão da empresa. No verão o trabalho não era de todo ruim, principalmente quando fazia o turno do dia. Havia movimento. Podia prosear com um ou outro e o tempo passava mais rápido. O problema era à noite. Aí o trabalho se tornava muito solitário, além de perigoso. Tinha que fazer a ronda de rua e dentro das salas da empresa. Nestas ocasiões carregava um chaveiro com dezenas de chaves. Tinha que entrar, revisar, fechar portas. Naquela época não havia alarmes eletrônicos, cercas elétricas. Cada vez que o pai, Romeu, chegava a casa sentiam um alívio. Isso na ronda noturna, que era sempre alternada. No inverno era um trabalho difícil, não dava nem para tentar ficar mais tempo dentro do local, porque tinha que marcar as voltas realizadas. Depois o chefe conferia se ele tinha feito tudo nos conformes. Era muito cuidadoso com tudo, inclusive o uniforme. Acho que ele se sentia como um policial, alguém com algum poder, pois zelava pelo patrimônio da empresa, carregava arma, tinha chaves e cadeados de lugares que precisavam ser muito bem cuidados, entre eles o cofre onde depositavam todo o dinheiro do dia. Não havia carro forte como agora, assim não era possível depositar o dinheiro ao final do expediente. Isso era feito pelo contador na manhã seguinte. O pior era em final de semana que acumulava o dinheiro de sexta e sábado pela manhã. Nestas ocasiões ele chegava a sentir calafrios na barriga só de pensar o dinheirão que ficava lá guardado. Com todo aquele dinheiro lá não era de duvidar que alguém tentasse assaltar. Juvenal recorda as conversas que mantinha com o pai quando ele contava que apesar de não ter estudo não se sentia rebaixado perante as outras pessoas, pois era uma pessoa de confiança, gozava de uma boa reputação na empresa, e zelava pelo patrimônio alheio. Só que Romeu não sabia que uma turma das imediações cuidava toda a sua rotina. Preparavam um golpe, que ao ser aplicado funcionou como planejaram. Assaltaram o local, levaram uma razoável quantia de dinheiro e por ser gente habilidosa no trato da safadeza, apesar de pegos, envolveram o pobre que para sua defesa só tinha a sua palavra e o histórico de vida, que não serve de muito quando a malandragem é grande. Os ladrões afirmavam que eles agiram de acordo com o vigia, que facilitou a entrada deles . Apelos alegando a vida pregressa, as condições de pobreza, a falta de condições de pagar advogado não valeram de nada. Romeu ficou preso para investigação por algum tempo. Os demais saíram rápido, pois não precisavam de assistência gratuita. Romeu perdeu o emprego e a sanidade. Vivia fechado no quarto (depois de sair da triagem onde ficou preso algum tempo). Examinava cadeados que ele pedia para Juvenal trazer, pensando, arquitetando saídas para tentar descobrir como eles tinham roubado, sem violarem portas, cadeados, cercas e não achava solução. Acabou sendo internado pela família em um hospital psiquiátrico, de onde fugiu e passou a viver nas ruas. Não conseguiram mais encontrá-lo. A mãe –Filomena - teve de trabalhar de doméstica deixando os filhos na creche. Juvenal que era o mais velho, não pode deixar de lembrar do pai, todas as vezes que fecha os cadeados das portas do sanatório, onde hoje trabalha. Os cadeados que se abriram para seu pai, o mantêm prisioneiro das lembranças.
Isabel Vargas
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Encantamento
Leninha sempre fora muito medrosa. Não gostava de escuro, de histórias de assombração, de bruxas, nada que de uma forma lhe transmitisse insegurança. Talvez o medo a instigasse a ponto de ficar a pensar constantemente no assunto e, segundo dizem, atrair para si o que, na realidade, não queria. Certa noite, antes de dormir, deu uma volta no pequeno jardim de sua casa. Nele havia um pinheiro plantado por seu pai, logo que compraram a casa. Ele quando comprado, segundo seu pai dizia devia ter um metro de comprimento; Na realidade, embora o tamanho, ele era novo como ela. Uns dez anos. Só não cresciam na mesma proporção. Sempre que o tempo estava muito úmido, na volta do pinheiro cresciam muitos cogumelos. A região, por natureza é úmida. Azálea, amor perfeito, brincos de princesa, hibisco e hera eram as outras espécies de plantas que existiam ali. Seu pai quando via os cogumelos desejava arrancá-los. Não sabia se tinham algum veneno ou não, o que poderia prejudicar os cães, pequenos e delicados. Ela sempre dava um jeito de impedir que ele fizesse isso. Achava os cogumelos tão bonitinhos. Pareciam de histórias infantis. Quando sentava embaixo do pinheiro conversava com eles. Perguntava-lhes se eles eram moradias de seres pequeninos, elfos ou duendes não sabia precisar. Nesta noite fez isso mais uma vez. Tinha muita curiosidade. Lia muito sobre seres encantados, mas nunca vira algum. Andou pelo jardim, olhou as estrelas, conversou com cada pequena planta e só então foi deitar-se. Queria deixar a janela aberta, mas a aragem fria da noite não lhe permitiu. Achava que a janela aberta facilitaria a entrada de algum ser. Na verdade, seu pequeno jardim era sua floresta encantada. Para seus pais, pessoas naturalmente distante das coisas mágicas, pois tinham que se preocupar com coisas mais sérias, inclusive zelar pela segurança diziam que o máximo que aconteceria seria um ladrão entrar pela janela aberta. Conformou-se e foi dormir. Muito aborrecida. Apagou a luz, puxou as cobertas da cama. Só um facho de luz entrava pelas venezianas da janela do quarto. Adormeceu. Um tempo depois sentiu como se a chamassem. Ficou em um misto de sonho e realidade. Virou-se para o outro lado. Seus olhos bateram na ponta da cômoda, exatamente onde o raio de luz batia. Assustou-se. Sentado displicentemente na beira do móvel, um ser inimaginável. Ou melhor, imaginado sim, mas só no mundo da fantasia. E ali era real. Seu quarto, suas coisas e ele ali. Então, era real. Ele sorria para ela. Sorriso brincalhão. Parecia que já a conhecia e a seus pensamentos também. Não sabia definir se era um duende, um elfo. Nem sabia muito bem a diferença entre eles. Só sabia que eram protetores da natureza. Tinha um sapato igual àqueles que via nas histórias, bem comprido com a ponta virada para cima. Era marrom. A calça cinza e o casaco verde. Na cabeça um gorro com a ponta caída. Quando ele se mexia, parecia que mudava de cor. Parecia um arco-íris em sua cabeça. Em outros momentos parece que se transformava em uma estrela. O que lhe chamou a atenção é que ele sorria muito. Sorria e falava que sabia quem ela era e de como gostava das coisas da natureza. Pediu-lhe que continuasse assim. Seus cuidados tinham muito valor porque só com o cuidado de todos haveria vida no futuro. Que cabia às pessoas como ela, de coração puro e comprometidas com o bem, espalhar esse sentimento de cuidado e proteção para um número sempre crescente de pessoas. Leninha comprometeu-se com ele. Mas desejava que ele aparecesse mais vezes. Ele despediu-se e ela seguiu dormindo. Ao amanhecer, abriu os olhos, sem se recordar de nada. Quando se levantou viu um pequeno buquê de flores do campo sobre a cômoda. Lembrou-se do ocorrido. Não fora um sonho.
Isabel Vargas
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Livro de Visitas
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