quinta-feira, 30 de agosto de 2018

MEU TEXTO PREMIADO COM MENÇÃO HONROSA NO CONCURSO GONZAGA DE CARVALHO/ACADEMIA ALTO


                                        ATESTADO DE SOBREVIVÊNCIA



                 Quando me sento em frente aos papéis, dou por mim a benzer-me antes de começar a escrever. Como se a escrita fosse um templo onde me resguardasse de meus infernos anteriores”.      Mia Couto

                       Minha família em primeiro lugar, seguida pelo meu trabalho. Para conciliar ambos, praticamente, esquecemos vida social, meu marido e eu, até meu filho menor completar cinco anos. A partir daí começamos a nos sentir mais livres para viajar só os dois, mas assim mesmo com muita dificuldade.
                      Sentia-me grata à Deus por ter quatro filhos, três meninas e um menino, o mais novo. Impossível conceber a vida sem qualquer um deles.
                      Minha segunda filha foi a que primeiro casou. No ano seguinte ganhei uma neta. Tudo perfeito. Todos os filhos formados na universidade, se encaminhado profissional e afetivamente. Éramos felizes, até que o inimaginável ocorreu. E este fato foi um divisor de águas na existência de toda a família, não só na minha.
                      Um trágico acidente, devido uma manobra brusca, tirou a vida de meu filho aos vinte e três anos. Jovem, lindo, amoroso, professor universitário que tinha obtido o primeiro lugar em um concurso público para professor substituto de uma instituição federal e empresário com um sócio, colega de universidade. Havia trabalhado todo o dia dando aulas, à noite foi para o escritório pois tinha estagiários trabalhando e iria fazer companhia a eles, posto que durante o dia era sócio que estivera junto. A empresa era no ramo de tecnologia de informação.
                                        Ao sair da empresa, no caminho de casa, sozinho no carro, não bateu em ninguém, não causou danos materiais a outrem, simplesmente, perdeu o controle do carro ao bater em um meio fio de calçada e o carro capotou. Morreu instantaneamente. Eu acreditei que morreria com ele. Quando soubemos da notícia meu pensamento. que não esqueço, foi de como viveria sem ele?  Meu menino, meu companheiro, amigo, que ficava na minha volta quando eu cozinhava para ficar beliscando, provando os pratos de sua preferência. A partir deste dia que amanhã completam oito anos de ausência física, pois em meu coração ele está sempre, nunca mais fomos os mesmos. Agradeci a Deus por já ter levado antes minha mãe e minha tia que me ajudaram a cria-los, para elas não terem de passar por esta imensa dor.
Digo esta porque ela ainda está em meu peito e me faz chorar. Meu marido, meu companheiro por quarenta e dois anos não resistiu. Dois anos após, quando eu comecei a mostrar sinais de voltar à vida, sair, confidenciou a meu irmão que agora havia chegado sua hora de elaborar a dor. Não resistiu. Seu sacrifício de tentar me ajudar o fez contrair uma doença autoimune que o levou no ano seguinte. Mais outra perda, porém esta previsível depois de tudo que passamos. Se me perguntarem se estamos bem, se nos recuperamos eu digo que jamais nos recuperamos da morte de um filho. Aprende-se a conviver com a dor após passarmos por diversas etapas. Ainda hoje, agradeço a Deus por tudo. Pela benção dos meus filhos, por eu ter tido a felicidade de com ele conviver por vinte e três anos, pela família, pelo trabalho, pela vida digna, pelos amigos e por escrever, pois é através dela que elaboro minha dor me recomponho em um processo de catarse obtendo força para auxiliar minhas filhas e meus netos que são outras bênçãos.
                 Isabel Cristina Silva Vargas                               
                 Pelotas/RS/Brasil/ 

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