O VESTIDO VERMELHO
Ana Lúcia é a filha do meio de um casal de posses residentes
no sul. Sendo a única mulher
poder-se-ia pensar ser muito mimada. Era frágil, clarinha, cabelos
loiros, levemente ondulados. Os irmãos eram dois garotos altos e fortes.
Enchiam os olhos. Ela mais tímida, mais quieta. Logo nos primeiros anos de vida
nela manifestou-se a asma brônquica. Um grande sofrimento seguiu-se, anos após
ano. Quando tinha as crises, parecia que ia morrer de tanta falta de ar. Corria
para o quintal subia nas árvores com se desejasse voar e ter mais ar ao seu
alcance.
A família morava em uma casa imensa, com piscina, pátio,
todo conforto concebível nos anos sessenta. Isso não significava que Ana Lúcia
tivesse uma vida mais feliz pelo conforto e posses do pai. Sim, o dinheiro era
dele, de família e de seu trabalho. Era arquiteto, empresário bem- suscedido e a
mãe professora. Por não ter vivido com facilidade, a mãe não sabia viver dando
coisas em excesso e nem sabia ser carinhosa, amorosa e compreensiva. Era
exigente. Disciplinadora e fazia-os viverem como se fosse na época da sua
infância e adolescência.
Resumindo, eram ricos, mas os filhos não desfrutavam de nada
a não ser o conforto da casa e da boa escola.
A menina foi crescendo revoltada, pelo sofrimento da doença
e por não entender o modo como viviam. Certa vez ao levar umas colegas em casa,
as mesmas não acreditavam que ali fosse sua casa. Acreditavam que era filha da
empregada, pelo modo simples como sempre se vestira. Só após entrarem e
conversarem com a família certificaram-se do engano.
Moravam na capital e
não no interior como os pais e assim ninguém a ligava a alguém com fortuna.
Sua bronquite
foi melhorar com medicamentos levados do interior pela madrinha, bem na
adolescência, época que a mãe começo a insistir para que ela fosse apresentada
à sociedade metropolitana nos famosos bailes de debutantes.
Ela sempre fora
aquilo que no interior e no linguajar popular costuma-se denominar água sem
sal, insossa, sem vontade própria, “fincou pé” e não havia o que a demovesse da
decisão de não ir.
Depois de muita
conversa, ofertas, concessões ela, finalmente, concordou em ir desde que fosse
com um vestido da cor que ela desejasse e não o branco convencional.
Aceita a proposta pela família, começaram os preparativos a
ida a um famoso costureiro da capital, provas da roupa, e tudo que se faz para
uma ocasião destas. Só a mãe sabia da cor do vestido, os demais não.
Chegado o dia do baile, o pai quase teve um colapso cardíaco
ao ver a entrada deslumbrante e triunfal no salão da primeira debutante da
noite, pois era procedida a chamada por ordem alfabética. Levantou-se orgulhoso
e feliz, deu-lhe o braço e com ela em um magnífico vestido vermelho, no qual
parecia uma rainha, tudo que ela não fora durante sua existência, até aquela
data, desfilou com ela pelo braço, radiante, sorridente e desinibida fazendo
sua apresentação à sociedade.
A menina frágil desapareceu a partir daquela noite. Formou-se
em direito, advoga, casou-se, tem filhos e é uma mulher feliz, forte e
determinada. O que lhe faltava era autoestima.
A coragem de impor sua vontade e ser aceita, associada ao
poder transmitido pelo vermelho, assegurando sua determinação de ser ela mesma,
sem se importar se era a única, deram-lhe força para buscar a realização de
seus desejos.
Isabel C S Vargas
Pelotas/RS/Brasil
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