Estamos no sul do Brasil. Início de inverno. Anoitecer pode
ter vários sentidos.
Vivemos em uma terra abençoada onde se plantando tudo, ou
quase tudo prolifera, mas a região do Pampa que se estende por toda uma região meridional
da América, também sofre com as agruras do inverno e o anoitecer pode se
constituir em sofrimento para os menos favorecidos.
Para o gaúcho do campo ou da cidade anoitecer de inverno
pode ser um momento lindo em família. Calor do fogo da lareira, ou do fogão à
lenha, ou, ainda, do piso aquecido para os mais abastados, associado ao ar
condicionado. Fogão à lenha é costume em grande maioria dos lares, tanto da
região da campanha quanto da cidade.
Família ao redor do crepitar das chamas, chimarrão, chá ou
vinho para esquentar e espantar o frio que, com facilidade beira a zero grau.
Sobre o fogão comidas típicas. Bolo assado, uma sopa quentinha, batata doce,
pinhão, amendoim, pipoca. Prazeres que quem é daqui não dispensa.
Pesados ponchos de lã tecidos pelas mulheres, touca de lã de
ovelha, luvas, botas de cano longo, fogueira nas noites de São João, gaita
tocando, pares na maior bailanta nos galpões das propriedades rurais ou nos
locais de diversão distantes do centro da cidade.
Uma melodia ao violão aquece os corações nos anoiteceres do sul,
nos bares frequentados pelos jovens universitários.
Em contrapartida, mais do que nunca, se faz necessário ser
solidário nestas longas noites de frio que a geada embranquece os campos
deixando-os cobertos de uma fina camada de gelo.
Desabrigados sofrem muito no anoitecer de nossa região. Há
moradores de rua em profusão que se abrigam nas marquises de lojas,
estabelecimentos bancários, edifícios pois os albergues para desvalidos não
comportam toda essa população sofrida.
Vários grupos se mobilizam levando a essas pessoas um pouco
de conforto espiritual, moral e material. Sentir-se acolhido faz a pessoa
sentir-se menos só. Alguns levam roupas limpas, outros dedicam-se a levar sopa
servida em caixas de leite em determinado ponto da cidade, há os que levam café
preto com sanduiche, outros um copo de leite quente com pão e mortadela para saciar
a fome do corpo e amenizar a sensação de abandono que se intensifica a cada
anoitecer quando o não ter uma cama quente, cobertas limpas e companhia de
família faz se intensificar o abandono moral.
Esse trabalho ocorre durante as noites, sob o céu onde se
destaca o Cruzeiro do Sul, durante o ano, mas, a necessidade é infinitamente
maior durante o inverno em cujas noites muitos idosos se entregam ao sono
eterno pelo frio que chega a sete graus negativos.
Campanhas são realizadas para os animais de rua que também
padecem mais depois que o sol se esconde.
Tenho uma filha que se dedica a este trabalho nas noites de
domingo nas quais a ajudei na preparação do alimento.
Nos postos de gasolina com proprietários que são de coração
sensível ao sofrimento dos animais, encontramos casinhas para os cães que
durante o dia perambulam pela cidade e que ao anoitecer nelas se abrigam e
recebem alimento e afago dos funcionários.
O anoitecer pode ser momento de amor ou de dor, de alegria
ou de tristeza, de sonho ou pesadelo, de concepção ou de morte, e cabe aos mais
afortunados se desapegarem um pouco para minimizar o sofrimento alheio.
Eu já separei roupas para o brechó solidário que se realiza
em vários pontos da cidade e você, leitor desta crônica vai fazer com que o
anoitecer do outro se transforme em um raiar de novo dia com mais amor e
solidariedade?
Isabel C S Vargas
Pelotas/RS/Brasil
21.06.2017
Nenhum comentário:
Postar um comentário