TEXTO 13/2021
Espectro
Quem vê aquela mulher prestes à completar setenta anos,
caminhando lentamente, sem pressa, aparentando cansaço, e com roupas
caseiras , chinelo, roupas sem qualquer glamour não imagina quantas outras já
habitaram aquele corpo ao longo de sua jornada.
Escondida no fundo de sua alma há uma menina que lembra das brincadeiras
de crianças, dos cuidados com os irmãos menores à quem ela amava e achava-os
de irradiante beleza fazendo- a sentir-se a gata borralheira comparada à
eles.
Lembra do nome das bonecas, das amiguinhas, das pessoas que a amavam,
orientavam e das dificuldades financeiras , dos adultos que a magoaram
com uma palavra ou outra, fazendo-a prometer à si mesma que iria estudar, ser
"alguém" e não mais se sentiria humilhada ou inferior diante de
outras meninas de sua idade.
Na adolescência encontrou uma mocinha mais revigorada, com uma autoestima
crescente frente aos olhares de admiração de alguns colegas e amigos. Fez
amizade com ela e a mantém no recôndito de sua alma sabendo que foi a sua
força e tenacidade em buscar seus objetivos que a trouxeram até aqui.
Talvez sejam os resquícios de sua determinação que permaneçam para sustentar
essa sombra de uma mulher que realizou seus sonhos, casou por amor, teve os
filhos que desejava e a quem proporcionou tudo que almejava acreditando que
isso os fariam felizes como desejava ser.
Foi agregadora durante sua vida, ajudando pai, mãe, irmãos, sem lembrar o
quanto a vida é cíclica .Criou quatro filhos, hoje tem cinco netos, mas à
medida que o tempo passava, os idosos foram morrendo. Em um acidente, perdeu
filho, seguido do marido que sucumbiu à dor e faleceu; o irmão, alguns
anos depois.
Ficou sem chão. Sentiu-se desamparada.
As filhas têm suas respectivas famílias e moradas e hoje está sozinha,
carregando dentro de si não mais a esperança no futuro , mas a recordação de
todos aqueles que a trouxeram até aqui.
Isabel Cristina Silva Vargas
Pelotas - RS
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