domingo, 22 de julho de 2018

TEXTO 56/2018/UM NOVO TEMPO/CONTO


                                      

                                               UM NOVO TEMPO


Ela está na terceira idade. Sempre foi uma pessoa de riso fácil. Opção pela alegria e simpatia. Nunca foi fútil. Enfrentou agruras na infância, na adolescência. Sua única opção era estudar. Estudar, confiar em si, buscar novos caminhos para oportunizar vida melhor aos pais.
Relembrando o passado poderia dizer que foi bem-sucedida. Nível superior, respeitada no trabalho, conseguiu adquirir imóvel próprio na cidade e na praia, educou 4 filhos, ajudou os pais, irmão, viveu para a família.
As perdas foram inimagináveis. A tudo suportou. Foi forte como não imaginava que seria.
A vida foi seguindo seu curso. Filhos crescidos, cada um formando seu ninho. Viúva, queria continuar forte.
Mais uma vez, cumpriu seu papel. Ensinou-os a voar. Empurrou-os mostrando o caminho a seguir, garantindo-lhes lugar se fosse necessário voltar.
Antes, alegre, participativa, sempre buscando aprendizados novos, acreditava estar preparada para a fase que se descortinava à sua frente.
Ficou só e não queria dar preocupação ou trabalho aos filhos.
Cercou-se dos animais de estimação que ficaram com ela. Como o tempo começou a pesar, preferiu ficar a cuidar deles sozinha pensando que isso preencheria sua vida. Sempre foi uma pessoa que privou por sua privacidade, embora fosse comunicativa. Não gostava de viver na casa alheia.
Abandonou a pintura, os grupos de convivência que participava na universidade.
Sempre gostou de gente, por isso trabalhava com prazer, embora só tenha descoberto essa característica na meia idade.
 Gosta de ler e por isso acreditou que viver em sua própria companhia era sinal de boa autoestima. Teria os livros, a escrita através da qual exorcizou as dores, o artesanato, o tricô, os cães, a casa para cuidar e filhas e netos por companhia eventual nos finais de semana. No final do ano mais perda de familiares.
Quando perdeu o seu cãozinho favorito no alvorecer do último dia do ano passado, deitado em seu peito, sentiu muito. Já tinha a outra que tinha passado por cirurgia e estava enferma desde a primavera de 2017 vindo a falecer no início do atual inverno. Sentiu-se mais uma vez impotente e fragilizada.
Sempre teve medo do inverno que dependendo do grau de sofrimento que impõe aos idosos os leva para a viagem sem retorno. E este está especialmente frio. Gélido. Impiedoso.
Seu coração deu sinais de fraquejar. Sentia-se sozinha, isolada, triste, mesmo sempre tendo dito que queria ser uma idosa alegre, alto astral e leve.
Seu coração saiu do compasso. Quase extrapolou seus batimentos. Perigo! Foi parar no hospital. Conseguiu sair.
Agora está à espera de exames para saber como será seu futuro. Enquanto isso, reza para observar  a próxima primavera despontar e para a mudança de idade comemorar em novembro.
Tenta estabelecer metas à curto, médio e longo prazo como forma de se fortalecer e ludibriar a doença e o tempo inexorável.
No momento, estabelece um acordo com o calendário natural. Está a enumerar um arrazoado de motivos para convencê-lo e, sobretudo, convencer a si mesmo que merece uma nova chance.

                                        Isabel C S Vargas



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