domingo, 7 de janeiro de 2018

SEBO LITERÁRIO PÁGINA 2 PORTAL CEN

SEBO LITERÁRIO
 

Isabel Cristina Silva Vargas


 
 
 
 
CONTOS
Pág. 2 de 7 Pág.
 
 A vida e as estações

O sol aparece e levanta meu ânimo. Aquece minha alma e clareia as manhãs de minha vida, tão gélidas durante o inverno.
Gosto do sol como gosto da primavera. Tudo parece mais proporcional, sem exageros, dando a dimensão exata para as coisas. Temo os exageros. Podem causar grandes alegrias como também grandes dores. E estas são mais intensas. Não conseguimos arrancar do peito.
Posso dizer que o outono também é belo. Bom de viver, porém não tem o encanto e o desabrochar da primavera. Esta é mais esperançosa. Prenuncia coisas novas. Induz à renovação.
Já o outono nos dá um sabor meio amargo. É mais nostálgico.
É como me sinto agora, no outono de minha vida. As folhas são como meus cabelos. Não tem mais o vigor de antigamente. A sensação que tenho no outono é que coisas piores acontecerão. Não gosto do frio. Assemelha-se ao meu espírito nos piores dias, quando não consigo antever nada de bom. Tenho a sensação de perda.
O inverno e o verão, embora opostos me dão a idéia de juventude. Ambos são plenos, intensos. Vejo neles os exageros da juventude. Inconseqüentes, irresponsáveis. Denotam coisas que podem ser avassaladoras, que podem explodir inesperadamente.
Ao pensar neles revivi meus anos de juventude. Povoados de sonhos, de encantamento e também de incertezas. No verão rememorei a época em que não tinha medo de desnudar o corpo e a alma.
No inverno recordei os momentos em que temerosa dos atos praticados ou na incerteza do futuro, me encolhi com medo de enfrentar as agruras da vida.
Acharei um momento em que conseguirei equilibrar isto tudo dentro de mim, sem exageros e sem medo e que me permita apenas viver e ser feliz?
Isabel Vargas
 


Anel de pérola

Ela tinha 16 anos quando conheceu aquele rapaz. Conheceu-o de uma maneira não convencional. Não fazia parte de seu círculo de amizade- nem da rua onde morava nem da escola.
Como gostava de ler revistas, aquelas que denominavam foto-novela e estas, geralmente, apresentavam uma seção de correspondência ela resolveu escrever, enviando seus dados pessoais. Não mencionou o nome verdadeiro, mas um pseudônimo. Um nome que parecesse verdadeiro.
Seria uma brincadeira. Uma forma de passar o tempo, se divertir.
Foram muitas as cartas recebidas. Selecionou algumas e passou a responder.
No começo foi novidade, mas depois, passou a ocupar demais seu tempo que precisava dividir entre o colégio, os estudos, as aulas de inglês, o curso de decoração, as vivências em família.
Ficou se correspondendo com uma única pessoa.
Um dia, passados alguns meses, para surpresa sua e da família ele aparece para conhecê-la. Tinha parentes em sua cidade.
As visitas começaram a ser mais frequentes. Ele queria compromisso sério, namorar, casar. Ela só queria viver. Sequer havia pensado nisso. Aliás, tinha sim, mas a imagem que lhe vinha à mente de se imaginar casada e com filhos tão nova, chegava a ser aterrorizante.
Embora o pai fosse contra, o namoro continuou, as intenções dele sendo reiteradas a cada encontro, em cada insinuação mais intensa, nos beijos, nas carícias mais ousadas. E ela, pensando em como sair desta situação que parecia cada vez mais atrapalhada nas ocasiões que ele vinha em sua cidade. Por carta era mais fácil mostrar suas razões, porque não tinha a réplica imediata.
Trouxe familiar para tornar o compromisso mais efetivo, embora a contragosto dela e como o dito cujo tinha um sobrenome influente, outros parentes dela não se fizeram de rogados e retribuíram a visita. E a teia se formando. Ele a cercava com sua presença, suas carícias cada vez mais insinuantes e os demais mostrando a vantagem de casar com alguém com nome e dinheiro.
Sabia que se dissesse não, poderia encontrar resistência. Já estava cansada da insistência dele em ter um relacionamento mais intenso. Apesar de não haver nada que desabonasse a criatura, a não ser o fato dele também ter mentido o nome, tudo o credenciava. Já estava na faculdade, era carinhoso- até demais para quem não estava a fim de intimidades.
Nas férias que ele veio trouxe um anel de pérola, com a intenção explícita, pela simbologia nele contida de mostrar o quanto estava disposto a dar pela companhia, pelo compromisso ou o que mais desejasse, a ponto de afirmar todo orgulhoso que tinha tão boas intenções que quando casasse, ela nem precisaria trabalhar.
Faculdade para que? Ele lhe daria tudo que desejasse. Não havia necessidade. Mulher dele não trabalharia.
Ela aceitou apenas o anel. Nunca recebera nenhum, nem nos seus 15 anos.
Tinha medo de recusar e ele fazer um drama e a família ficar contra ela.
Tudo que ele lhe oferecia velada ou claramente ela recusava.
Embora não revelasse já tinha tomado uma decisão.
Quando as férias terminaram ele foi embora.
Como começou, ela rompeu a relação.
Uma carta clara e definitiva.
Seus sonhos e sua liberdade não tinham preço.
Isabel Vargas
 
 



As primas

 Solange e Betina eram primas. Pelo lado paterno. Isso significa, pelo menos neste caso, que ambas se encontravam só na casa dos avós, esporadicamente, em dias de aniversário. Solange vivia com a mãe que trabalhava em um hospital e a avó materna. Não tinha irmãos. Os pais eram separados. Betina vivia com os pais e irmãos. A mãe não trabalhava fora e estava sempre cuidando dos três. Por ser a mais velha tinha a tarefa de cuidar dos irmãos menores.
O pai era muito rígido. Essa era a imagem que a mãe passava. Nada podia desagradá-lo.
Solange era uma morena linda com pele em tom de mel recém colhido, translúcido, brilhoso. Os olhos de um verde mar capaz de afogar quem neles se jogasse. Talvez por não ter consciência da própria beleza ela se tornasse ainda mais encantadora. Não era daquelas meninas bobas, metidas que se achavam a maioral. Era simples, alegre, comunicativa. Às vezes se encontravam na rua, em outras Solange passava na frente da casa de Betina. Sempre trocavam algumas palavras, por mais rápidas que fossem. A simpatia era mútua.. Mas não andavam juntas. Nem se visitavam.
A diferença de idade devia ser de uns três anos . Solange era mais velha.
Talvez por influência materna, foi trabalhar mais cedo e estudar de noite. Mal sabia ela que ali começaria sua desgraça.
Faceira, agora poderia além de custear o estudo ,comprar algumas coisas que toda moça cobiçava para se enfeitar, passear, ir ao cinema, pois as opções não eram muitas não.
Não demorou para Solange chamar a atenção dos rapazes. Se fosse só de rapazes solteiros, descompromissados não teria problema algum. Estariam em pé de igualdade, jovens, inexperientes, sem manhas e sem ardis.
O pior é que Solange chamou a atenção do patrão. Mais velho, casado, com filhos, bem estabelecido, conhecido na cidade. Mas se só ele tivesse ficado enfeitiçado seria menos perigoso.
Ela também provou da poção mágica e ficou enfeitiçada.
Tanto que ele montou um apartamento para ela morar.
A mãe que vivia em situação idêntica na pode cobrar outra atitude.
A família do pai, logo passou a falar que a menina tinha se perdido. Coisa inconcebível. Não falavam às claras. Era tudo em meio tom, meias palavras, à boca pequena para não espalhar o que já era notório, pois isso era pela influência materna. Só podia ser. Coisa ruim sempre é de parte do outro.
Mas Solange apesar de apaixonada era lúcida e sabia que daquela situação não poderia esperar um desfecho satisfatório. Ou, percebeu que o amor não passara de um arrebatamento de jovem e que não era coisa para vida toda, afinal estava só começando a descobrir o mundo, as sensações. Refletiu. Era só explicar que tudo estava acabado, ele continuaria sua vida com sua família e ela seguiria a dela.
Iria estudar e trabalhar em outro local. Não se veriam mais e pronto. Tudo ficaria solucionado.
Iria dizer isso para ele na manhã seguinte. Iria embora e seria o fim de tudo.
E foi o fim, quando a vizinhança escutou os sucessivos estampidos dos tiros.
Solange ficou ali.
Betina jamais esqueceu a prima.
Isabel Vargas

 
 
Baruc, o abençoado

Baruc é um cão labrador preto. De uma ninhada de nove filhotes – todos encantadores- e com nome iniciados pela letra B, por ser uma segunda cria, ele foi o único que teve problemas após o nascimento. Fez uma peraltice que lhe rendeu muitos problemas. E a nós também.
Dormiam na garagem, onde colocamos um obstáculo para que não passassem daquela área para a churrasqueira. Certa ocasião, ao chegarmos a casa, minha filha e a minha neta já nos esperavam porque o controle não abrira o portão. No fundo, latidos intensos. Fomos de imediato ver o que ocorrera.
Baruc conseguira, com 02 meses de idade, transpor o obstáculo, passar por cima de um engradado de bebidas, que tinha mais uma caixa em cima e ficar de cabeça para baixo, sem cair nem poder voltar, debatendo-se de modo a machucar a pata traseira.
Tentávamos tirá-lo dali, mas não conseguíamos, pois ele ficara com metade do corpo para trás da geladeira, onde finalmente caiu enquanto tentávamos desobstruir o caminho para chegar até ele. Para completar a travessura, entrou no local onde fica o motor da geladeira.
Após arredar a geladeira, conseguimos tirá-lo, meio assustado, meio sujo e sangrando. O veterinário, de imediato orientou sobre os procedimentos que foram cumpridos à risca.
Passados uns 03 dias, percebeu-se no lombo dele duas listras brancas paralelas, como se o couro estivesse cortado, enrugado e sem pelo. Fomos direto ao consultório do veterinário. Constatação: havia uma queimadura feita pelo calor do motor da geladeira. Já começava a aparecer inflamação. A região teve de ser raspada e a pele tirada.
Tratamento prescrito para 30 dias, com assepsia, medicação e curativos de manhã, à tarde e à noite. Entretanto, não ficou só na queimadura não. Com a imunidade baixa, apareceu uma enfermidade que o tomou por inteiro. Surgiram bolas enormes de inflamação, que ao estourarem deixavam buracos enormes à vista, por todo o corpo. Perdeu pelo no focinho, ficando o mesmo cheio de cascas. É de difícil cuidado. O tratamento é intenso.
Ele se destacava por três motivos: pelo tamanho - era o maior dos pretos - pela fragilidade que o acometera em virtude da doença e pelo nome forte. De início meu filho o escolheu e para ele passou a ser o Barucão. Durante todo o tratamento ele recebeu atenção diferenciada. Passou a dormir em uma cama, dentro de casa, mais precisamente, dentro do quarto, ora do nosso, ora de meu filho, ao lado de sua cama. Como a cama adquirida não era fofinha, ele passou a ter por cama um travesseiro bem confortável.
Minha filha mais velha que escolhera o nome, chorava com medo que ele não resistisse. O trato prolongava-se.
Certa ocasião, entrei no quarto e encontrei meu filho deitado no chão, estendido com a roupa de trabalho, a acariciá-lo e a conversar com ele. Ao levantar os olhos perguntou minha opinião. Disse-lhe que ele ficaria bem. Após a sua saída para o trabalho, fiquei a conversar com Baruc, “ao pé do ouvido”, ou da orelha, como queiram. Resiste! Dizia-lhe. Resiste porque nós te amamos, queremos te ver forte, lindo, nos trazendo muita alegria, e diversão para as crianças que ainda virão.
Era como se eu implorasse para ele não me deixar mal. Afinal, meu marido e eu dizíamos sempre que ele iria ficar bem. Talvez não tão bonito, mas iria sobreviver.
Bem o tempo passou, ele resistiu, venceu a doença. Está forte, chama a atenção pelo tamanho, pelas manchas que ficaram no focinho, mas meu filho, lindo, forte, sadio, maravilhoso, não está mais aqui fisicamente. Não o viu crescer.
Na véspera do acidente, meu filho veio para casa mais cedo e pegou-o no colo. Não conseguiu ficar com ele. Teve que soltá-lo no pátio, pois ele não queria ficar em seu colo e chorava muito. Ninguém entendeu seu comportamento.
Hoje, cada vez que ele percebe que estamos reunidos na cozinha, ele grita desesperadamente para entrar porque sabe que estamos todos juntos. Em outras ocasiões, os outros, estão na garagem e ele está sozinho junto ao portão nos esperando. Enquanto os outros brincam e fazem uma algazarra danada, ele se afasta e fica pelos cantos, encostado na parede, quieto.
Nós que não queríamos nenhum cão, estamos com mais cinco, sem saber o que será de nossas vidas - das nossas e dos cães - pois em um momento de fragilidade emocional como o que estamos passando, não tê-los aqui representaria mais tempo livre para pensar, menos ocupação, menos distração e mais foco na dor.
Como sequela da enfermidade, os olhos que ficam avermelhados e as lágrimas que correm frequentemente – assim como as nossas.
E além de tudo, quem se animaria a doar Baruc, escolhido por meu filho? Brisa – da minha neta - Bella e Bruma que minha filha vai levar para sua casa quando a reforma terminar e Bento, que por eu gostar tanto dele ia dar para a namorada de meu filho?
Isabel Vargas
 
Cena

Há anos frequento este local. É um bar simples, como simples são os habitantes no entorno. Bairro operário, de gente trabalhadora e ordeira. Em geral, os que aqui aparecem são pessoas conhecidas. Não sou dado a bares, bebida, algazarra. Gosto de uma bebidinha em casa, com familiares, geralmente no final de semana para relaxar.
Acontece, que a vida muda. A casa , antes cheia foi se tornando solitária. Os filhos crescem vão fazer a vida nos locais que encontram trabalho e guarida. Minha filha mais velha está em outro estado. O filho do meio está na capital , a menor sim, está mais próxima, mora na cidade, mas em outro bairro. Geralmente aparece de 15 em 15 dias, devido à escala de folga no hospital. Vem com marido, meus dois netos.
Eu fiquei só, após a morte de minha mulher. Não quis saber de casar de novo. Estou bem assim. Consigo dar conta das minha coisas. Simplifiquei tudo, dispensei ajudante e eu mesmo faço as coisas da casa. Muitas vezes faço as refeições no bar, outras faço alguma coisa que me apraz. O café, volta e meia tomo aqui mesmo.
É a oportunidade para uma prosa com algum conhecido. Vejo televisão - que é maior que a minha - olho a vida que se desenrola. Às vezes se enreda, até parece que dá nó cego que não dá para desatar . Aí não entendemos mais nada. É uma confusão só.
Pois é assim que vejo o que se descortina à minha volta nesse momento.
Já vi coisas engraçadas, tristes, compreensíveis dada a natureza do ser humano. Observei de minha cadeira muita cena de amor, apertos, brigas de ciúme, traições, crianças que cresceram e se perderam outras que se ganharam e se tornaram pessoas de bem. Vi crianças criadas só pela mãe, outras pelo pai e avós. Achei que já tinha visto de tudo. Pois não é que me enganei? Não sou preconceituoso. Nunca fui. Mas tem coisas que não aceito, uma delas é a droga. Droga e desrespeito com os mais velhos. Acho que respeito e gratidão ainda colocam o mundo nos trilhos.
Droga, tira o homem de si mesmo, da família, da vida.
Por isso, não posso me calar diante da cena que presenciei no mesmo bar de sempre, enquanto esperava para tomar meu café de todo dia, vendo as cenas da vida real se desenrolarem paralelas às da novela - que já não espanta tanto como antigamente- pois às vezes me parece que é tudo uma coisa só, a vida e a novela.
Não consigo entender uma comemoração sem pai e mãe juntos- ou será que ali tinha um pai e mãe? Onde ficou a partilha do bolo com todos? Ou não havia dinheiro para isso?
Mas havia para outras coisas? Que foi comemorado ali na minha frente que eu não entendi? Ou não houve comemoração e sim iniciação? Que velas foram acesas? As que guiam para caminhos de luz, de alegria, de gozo ou as que indicam o caminho da morte, da dor, do sofrimento?
Drogas de forma escancarada?
Ou uma queima para fugir dela?
Confesso que estou perdido.
Não sei se choro pelo garoto, se pela minha impotência e da sociedade de fazer algo definitivo e contundente para acabar com as mazelas que detonam famílias como bomba em uma tragéda por demais anunciada, presenciada e não evitada.
Alguém me explica, por favor?

Livro de Ouro do Conto Brasileiro Brasileiro Contemporâneo 2011
http://www.camarabrasileira.com/ouroc11-036.htm
Isabel Vargas
 
 
Livro de Visitas

Nenhum comentário:

Postar um comentário