sábado, 9 de abril de 2016

TEXTO 80/2016/ ANTOLOGIA 78/ O VESTIDO VERMELHO/ CONTO

                                                
                       O VESTIDO VERMELHO 

                               
                                 
Ana Lúcia é a filha do meio de um casal de posses residentes no sul. Sendo a única mulher   poder-se-ia pensar ser muito mimada. Era frágil, clarinha, cabelos loiros, levemente ondulados. Os irmãos eram dois garotos altos e fortes. Enchiam os olhos. Ela mais tímida, mais quieta. Logo nos primeiros anos de vida nela manifestou-se a asma brônquica. Um grande sofrimento seguiu-se, anos após ano. Quando tinha as crises, parecia que ia morrer de tanta falta de ar. Corria para o quintal subia nas árvores com se desejasse voar e ter mais ar ao seu alcance.
A família morava em uma casa imensa, com piscina, pátio, todo conforto concebível nos anos sessenta. Isso não significava que Ana Lúcia tivesse uma vida mais feliz pelo conforto e posses do pai. Sim, o dinheiro era dele, de família e de seu trabalho. Era arquiteto, empresário bem- suscedido e a mãe professora. Por não ter vivido com facilidade, a mãe não sabia viver dando coisas em excesso e nem sabia ser carinhosa, amorosa e compreensiva. Era exigente. Disciplinadora e fazia-os viverem como se fosse na época da sua infância e adolescência.
Resumindo, eram ricos, mas os filhos não desfrutavam de nada a não ser o conforto da casa e da boa escola.
A menina foi crescendo revoltada, pelo sofrimento da doença e por não entender o modo como viviam. Certa vez ao levar umas colegas em casa, as mesmas não acreditavam que ali fosse sua casa. Acreditavam que era filha da empregada, pelo modo simples como sempre se vestira. Só após entrarem e conversarem com a família certificaram-se do engano.
 Moravam na capital e não no interior como os pais e assim ninguém a ligava a alguém com fortuna.
       Sua bronquite foi melhorar com medicamentos levados do interior pela madrinha, bem na adolescência, época que a mãe começo a insistir para que ela fosse apresentada à sociedade metropolitana nos famosos bailes de debutantes.
     Ela sempre fora aquilo que no interior e no linguajar popular costuma-se denominar água sem sal, insossa, sem vontade própria, “fincou pé” e não havia o que a demovesse da decisão de não ir.
   Depois de muita conversa, ofertas, concessões ela, finalmente, concordou em ir desde que fosse com um vestido da cor que ela desejasse e não o branco convencional.
Aceita a proposta pela família, começaram os preparativos a ida a um famoso costureiro da capital, provas da roupa, e tudo que se faz para uma ocasião destas. Só a mãe sabia da cor do vestido, os demais não.
Chegado o dia do baile, o pai quase teve um colapso cardíaco ao ver a entrada deslumbrante e triunfal no salão da primeira debutante da noite, pois era procedida a chamada por ordem alfabética. Levantou-se orgulhoso e feliz, deu-lhe o braço e com ela em um magnífico vestido vermelho, no qual parecia uma rainha, tudo que ela não fora durante sua existência, até aquela data, desfilou com ela pelo braço, radiante, sorridente e desinibida fazendo sua apresentação à sociedade.
A menina frágil desapareceu a partir daquela noite. Formou-se em direito, advoga, casou-se, tem filhos e é uma mulher feliz, forte e determinada. O que lhe faltava era autoestima.
A coragem de impor sua vontade e ser aceita, associada ao poder transmitido pelo vermelho, assegurando sua determinação de ser ela mesma, sem se importar se era a única, deram-lhe força para buscar a realização de seus desejos.
                                                     Isabel C S Vargas
                                                     Pelotas/RS/Brasil
                                                         06.04.2016






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