quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

ANTOLOGIA IMAGEM E LITERATURA 34 CONTO MENÇÃO HONROSA

                                                                     
Bia era uma criança linda. Cabelos dourados que os dias cinzentos não tiravam o brilho. Nos olhos via-se o céu, mesmo que em meio às mais barulhentas trovoadas. Ela era o próprio trovão. Sempre alegre, inquieta e inventando histórias. Não aceitava palavra dada, principalmente se fosse um não. Autoridade para ela era coisa para contestar. Nada a assustava.
A imaginação excessiva equilibrava a falta de brinquedos, de bens materiais.
Por ser imaginação não tinha limites. Nem para pensar coisas boas e outras não tão boas. As travessuras eram o que dava alegria a sua vida. Um pouco mais tarde as fugas da aula, Depois fumar escondido. O escondido dava mais encanto e sabor.
Mesmo as coisas mais banais necessitavam ter um acessório diferente. 
Deixavam de ser banais para terem aspecto de aventura.
Só que ela criava tanto que essas invenções a faziam sofrer, pois não sabia o limite entre ficção e realidade.
Mas adianta dizer para alguém que as coisas não são exatamente como ela imagina, como criou ou como sentiu?
Essas percepções marcam a alma e dificilmente alguém de fora conseguirá transformar essas recordações, senão quem as criou.
Há ocasiões que marcam também o físico. E aí é mais difícil alterar.
Quando pequena teve varíola. Doença séria. Perigosa. Precisava ser comunicada à autoridade sanitária da cidade. Resultado: Isolamento. Distância da família. Não importava se criança ou adulto. Era questão de saúde pública.
O médico da família- naquela época tinha isso, mesmo que não houvesse dinheiro para pagar na hora- ficou penalizado com a situação da criança e da família por quem nutria afeição. Então ordenou: - Que ninguém saiba disso. Isolamento em casa. Só uma pessoa para atendê-la. Afastamento total de outras crianças. Outro conselho: - Escondam os espelhos. Geralmente, o aspecto ficava muito feio. A criança poderia se assustar com a própria aparência. Outro detalhe importante. Não poderiam deixar que ela coçasse as bolhas ou arrancasse as cascas. Causariam lesões. Que caíssem ao natural.
Assim foi feito. Todos entenderam. Menos ela. Decorridos mais de trinta anos, surpreende a todos, em uma conversa, ao dizer que fora abandonada por todos na infância, na época da enfermidade e que um requinte de crueldade da família fora deixar espelhos guardados na gaveta do quarto. Quando ela os achou, não conseguia se reconhecer naquele espelho, pela deformação (temporária), mas que para ela durou uma vida inteira.
As explicações gerais não a convenceram. Quando se olha no espelho, as marcas estão lá para reforçar que tudo que sentira era muito real.
                                          
                                                             ISABEL C S V ARGAS
                                                              PELOTAS/RS/BRASIL



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